O Cavaleiro das Trevas

quinta-feira, 3 de outubro de 2013


O Cavaleiro das Trevas, escrito e desenhado por Frank Miller em 1986, é um dos maiores clássicos dos quadrinhos. A minissérie apresentou ao mundo um novo Batman, e talvez seu maior mérito tenha sido contar uma história adulta no mundo dos super-heróis, chamando a atenção da mídia e do público para um gênero que era considerado, até aquele momento, infantil. Frank Miller ajudou a elevar o universo das HQs a um nível mais maduro de literatura, o qual se distanciaria cada vez mais dos "quadrinhos para crianças", e o Batman nunca mais foi o mesmo depois de O Cavaleiro das Trevas.
           
            A história de O Cavaleiro das Trevas (TDKR) é situada em um futuro alternativo do Universo DC, se passando 10 anos após a suposta aposentadoria do vigilante mascarado. Os heróis no mundo estão extintos por lei e Superman, o último em atividade, é um agente secreto americano, um tipo de superarma usada pelo governo em casos de guerra ou crise internacionais. Porém, o aumento de criminalidade em Gotham City faz o homem-morcego sair das trevas da aposentadoria e encarar de frente novamente os criminosos da cidade, usando de inteligência e força bruta para fazer justiça.
            Uma das maiores qualidades dessa história é que ela nunca fica datada. Ela continua sendo muito atual. Todas as críticas à sociedade, ao governo, e à mídia, continuam pertinentes. Depois de ler O Cavaleiro das Trevas, nunca mais consegui assistir a um telejornal da mesma maneira. A crítica a mídia é muito clara, principalmente quanto a sua banalização da violência.

"E a mídia? Bem, digamos que já se falou demais sobre a Paris Hilton."
(Frank Miller)

            O autor dá destaque também a procura da mídia por culpados. Ela culpa o Batman pelas ondas reacionárias de violência, tentando encontrar um bode expiatório para os males da sociedade, mas se esquece  que o Batman só existe por causa desses mesmos males. O menino só ficou órfão e se tornou um justiceiro mascarado devido às mazelas de uma metrópole adoecida. Contraditório não? Qualquer semelhança com o atual momento de nosso país NÃO é mera coincidência.


            Como quase toda obra escrita no período pós Segunda Guerra, há também uma clara referência à Guerra Fria, e às guerras de conquista dos EUA. Em meio a toda trama, um conflito militar se inicia em uma ilha caribenha com o nome fictício de Corto Maltese, numa clara alusão do autor à Cuba. EUA e União Soviética iniciam um conflito armado em plena ilha, ignorando por completo os 2 milhões de habitantes que não tem nada a ver com os problemas das duas superpotências.
            Além disso, com o combate contra a violência promovida pelo Batman, Frank Miller nos mostra as diversas facetas de uma grande metrópole, explorando não só o submundo, mas também a reação da sociedade sobre a volta do homem-morcego. A genial estratégia usada por Miller é representar, nos quadrinhos, noticiários de TV onde diversas pessoas são entrevistadas, e são expostas a opinião da mídia e do público em geral. Assim, ao longo das mais de 200 páginas da minisséria, vamos pescando críticas e passagens que nos fazem refletir sobre nossa condição e sobre nossa sociedade decante.
            Além de tudo isso que já falei, existiu uma grande ousadia do autor em colocar o Superman nessa história. Isso porque, em TDKR, o personagem, que é um dos mais populares super-heróis e símbolo do homem americano, não passa de uma espécie de marionete governamental. 
            Genericamente falando, o Superman é o oposto do Batman. Porém, coisas que antes já existiam, mas eram sutis demais para percebermos, em TDKR ficam muito claras. Superman é o herói da luz; ele veio de um lugar melhor pra servir de exemplo para sermos algo melhor. O Batman não; ele veio do fundo do poço, veio de baixo. Enquanto o Superman tirou todos os seus princípios da boa educação que teve dos pais e das suas lições de vida, Bruce viu o mundo cair sobre sua cabeça quando ainda era apenas uma criança, e teve que aprender sofrendo na vida. Ele não acredita que possa servir de exemplo, pois ele sabe melhor que qualquer um como o ser humano pode ser podre. E esse conflito Luz x Trevas vai aumentando de intensidade até o capítulo final, quando vamos percebendo que um embate entre eles é inevitável, e que o mundo é pequenos demais para os dois.
            É muito fácil pra quem sempre esteve por cima achar que você pode mudar o mundo, que as pessoas querem mudar.

"Meus pais me ensinaram uma lição diferente. Caídos nesta rua.. Sangrando muito... Morrendo sem razão nenhuma.. Eles me mostraram que o mundo só faz sentido quando você o obriga a fazer." (Miller, Frank: 1986, O Cavaleiro das Trevas, p. 196)

            Claro que, mesmo que essa dualidade exista entre os personagens, o Superman de O Cavaleiro das Trevas é por demais caricato. É chato demais, até mesmo para o padrão "escoteiro" do personagem. Mas essa é uma história do Batman, e não do Superman.
            E por falar nele, vale ressaltar a mudança de status quo do personagem que veio com essa história. O Batman de Miller é um cara atormentado e traumatizado pelo seu passado. A linha que separa o homem-morcego de Bruce Wayne é muito tênue, e tem horas que fica muito claro que na verdade o Batman não é o disfarce de Bruce Wayne, e sim o contrário: o Batman é a verdadeira natureza de Bruce. Miller retrata um mundo que precisa de um herói obsessivo, hercúleo e razoavelmente maníaco para pôr as coisas em ordem, e coloca todas essas características no herói. Seu Batman não possui muitas variáveis: aterroriza os criminosos até que eles praticamente se caguem nas calças, ou então os espanca. Não há redenção ou reabilitação, apenas expurgo e catarse. Mesmo depois do desenrolar de cerca de duzentas páginas de história, é impossível chegar a uma conclusão definitiva: a real intenção de Miller era colocar esse conflito em discussão ou fazer uma apologia irrestrita a regimes direitistas?
            Já a arte da HQ é, no mínimo, diferente. Eu, particularmente, não gostei muito do seu traço. Achei um desenho meio preguiçoso. Mas que fique claro que isso não significa falto de talento, mas sim o estilo que Frank Miller resolveu adotar. Mas mesmo não o apreciando muito, tenho que admitir que esse estilo combinou muito com a revista. Seu traço combina muito bem com o clima sombrio da história, com uma Gotham suja e perdida, tomada pelo caos. Não achei um desenho bonito, mas isso não atrapalhou minha leitura.
            Algo positivo da arte de Miller, é seu estilo cinematográfico. Parece que você está vendo o storyboard de um filme. Há uma ótima sacada gráfica, e um dinamismo no passar dos quadrinhos.
            Resumindo tudo que já foi dito: Frank Miller é o cara, ou pelo menos já foi. Revolucionou os quadrinhos de super-heróis na década de 80, juntamente com Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, injetando uma carga nunca antes vista de ironia, sadismo e paranóia política. Batman deixou de ser um personagem estritamente infantil, nascendo toda uma nova mitologia em torno do personagem: mais sombria, conflituosa, cerebral e paranóica. Ou seja, se você nunca leu O Cavaleiro das Trevas, não sabe o que está perdendo. Mas vá preparado. Como já deixei bem claro, você não vai encontrar uma história bonitinha com uma lição de moral no fim. TDKR é pesado, profundo e violento. É uma história para ser lida mais de uma vez, e a cada vez perceberemos alguma coisa que deixamos passar batido na leitura anterior.

"Eu quero.. Que se lembre, Clark... Para o resto da vida... Nos seus momentos mais íntimos... Quero que se lembre... Da minha mão... Na sua garganta... A mão... Do único homem... Que derrotou você..." (Miller, Frank: 1986, O Cavaleiro das Trevas, p. 199)

Entrelinhas

            A DC lançou duas animações baseadas na obra de 86. Apesar de perderem parte da crítica social que existe na HQ, são ótimas adaptações, em especial a 2° parte, que é bem emocionante, e vai agradar muito tanto quem já leu, quanto quem nunca leu o original. Gostei muito da arte dessas animações, recomendo.
            Muita gente não sabe, mas O Cavaleiro das Trevas tem uma polêmica continuação. Em 2001, Miller voltou a visitar aquela realidade alternativa a partir do fim da primeira história. Ele lançou uma minissérie em três partes que mostra o que havia acontecido com os outros heróis naquele tempo e revelando a extensão da corrupção não apenas de Gotham, mas de todo o mundo, além de orquestrar o retorno de todos eles, liderados pelo próprio Batman.
            Ao contrário da minissérie original, essa continuação não agradou os leitores. A história é totalmente nonsense, psicodélica demais. Parece até que a intenção é ser hilário.
            Vale ressaltar que Miller recebeu um milhão de dólares pra escrever essa continuação, então muito se diz por aí que ele não estava nem um pouco a fim de escrever uma sequencia, mas o dinheiro acabou falando mais alto.
            A primeira edição até que não é ruim, e tem uma boa premissa. Mas a partir da segunda edição tudo começa a desandar.
            Pra começo de conversa, o foco recai majoritariamente sobre o Superman e os membros da antiga Liga Da Justiça.Se qualquer um poderia ler O Cavaleiro das Trevas, o excesso de referências e personagens em TDKR 2 faz com que quem não esteja muito familiarizado com o universo DC se perca muito facilmente no meio de tanta informação.
            A arte também é muito bizarra. Vale até uma conferida.
            Enfim, dentro da última edição encadernada lançada pela Panini, esta segunda parte ainda vale como curiosidade. Há algumas boas referencias e críticas, mas leia como se fosse uma novidade, e esqueça que isso é a continuação de um clássico.

1 comentários:

Paulo Rennes Marçal Ribeiro disse...

Divulguei esta matéria no meu Face. Vale a pena ler. Os aficcionados por HQs e os fãs de Batman vão gostar da sensibilidade de Padu Aragon ao expor questões atuais da sociedade entrelaçadas com a personalidade dos heróis e com a visão de mundo dos autores dos quadrinhos.

Paulo Rennes Marçal Ribeiro

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